No último ano a desigualdade de renda do trabalho alcançou o nível mais alto da década. Olhando para a série anual, a desigualdade de renda vem crescendo desde 2015 e em 2019 houve um avanço médio de 0.17%, o menor deste período de altas, sugerindo tendência a estabilidade. A renda per capita média segue pelo 3º ano de crescimento a taxa de 1.6% em 2019, fazendo com que o bem estar social tenha crescido 1.32%, o melhor desempenho desde o início da recessão.

O levantamento explora as flutuações trimestre a trimestre dos mesmos indicadores. O Índice de Gini, indicador que mede a desigualdade de renda em uma escala de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1 maior é a concentração de renda), teve a sua 1ª queda no 4º trimestre de 2019; interrompendo 18 trimestres consecutivos de aumento na desigualdade. O Gini passou de 0.62832 no 4º trimestre de 2018 para 0.6276 no 4º trimestre deste ano.

“Estamos no ápice da concentração pela PNADC. Segundo a tendência dos últimos trimestres do ano, parece que pode começar a descida cíclica” segundo o diretor do FGV Social – Marcelo Neri. “O aumento na concentração de renda já vinha perdendo fôlego, com ritmo de crescimento cada vez menor. O resultado do último trimestre de 2019 foi o primeiro em que houve queda numérica de fato. Está caindo muito pouco, mas está no azul. A renda per capita do trabalho está crescendo, não tanto quanto há um ano, mas, é uma boa notícia combinada”, analisa.

Extrema pobreza e o Bolsa Família

Entre 2014 e 2018, a renda dos 5% mais pobres no Brasil caiu 39% e, como consequência, a extrema pobreza aumentou em 67% neste interim. Este aumento na extrema pobreza ocorreu em função de desajustes no Bolsa Família. Seja por conta de perdas reais no valor do benefício, que não foi corrigido segundo à inflação em 2015 (quando esta girava em torno de 10%) e em 2017 (já com inflação menor), como também devido à redução no número de beneficiários. É estimado que 900 mil pessoas foram desligadas do programa em 2019, acarretando no surgimento de uma fila média anual de 500 mil pessoas que deveriam estar sendo atendidas, mas ainda estão esperando para serem cobertas pelo Bolsa Família. Há outras estimativas apontam que 1 milhão de pessoas estavam na fila para serem atendidas pelo programa em 2019.

Portanto, o principal instrumento de combate à pobreza regrediu durante a crise econômica iniciada em 2014, o que levou à perda de bem-estar e ao crescimento no contingente de brasileiros em situação de extrema vulnerabilidade econômica e social.

O Bolsa Família é um programa de combate à extrema pobreza que cobre um quarto da população brasileira. Focalizado em crianças e famílias abaixo das linhas de extrema pobreza e pobreza estimadas pelo governo, o benefício é oferecido através de um cartão magnético em posse das mães e/ou mulheres da família em 90% dos casos. O valor de elegibilidade inicial ao benefício básico, hoje em 89 reais por pessoa, é bem próximo da linha mais baixa de pobreza das metas do milênio da ONU no valor de $1.25 por dia ajustado por paridade de poder de compra. O custo do programa é de apenas 0.4% do PIB, um valor ínfimo comparado aos seus impactos diretos na vida dos mais pobres e na economia brasileira. Por exemplo, para cada R$1 gasto com o Bolsa Família são gerados R$1.78 para a economia brasileira. Isso significa que cada real gasto com o Bolsa Família impacta três vezes mais o PIB que os benefícios da previdência social e 50% mais que o BPC, outra política voltada aos pobres.

Segundo Marcelo Neri, diretor do FGV Social, os desajustes no Bolsa Família dos últimos cinco anos significaram um ajuste fiscal nos ombros dos mais pobres que quase não contribuiu para a questão fiscal do país e ainda desprotegeu os brasileiros mais vulneráveis durante um período de crise econômica. Sem contar que isto tornou a recuperação da economia ainda mais devagar, uma vez que menos renda nas mãos dos mais pobres significa menos consumo em geral, visto que este grupo da população tende a consumir uma maior parte do seu orçamento familiar. Assim, as “rodas” da economia rodaram mais devagar com os desajustes no programa.