A eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil pode dar novo alento à intensificação de um relacionamento profícuo entre Brasil e Estados Unidos – as duas maiores economias do continente.  Pelo menos, esta é a aposta dos setores empesariais do país.

A fim de criar mecanismos que possam facilitar este entendimento, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Câmara de Comércio Brasil-EUA (Câmara) e sua afiliada Brazil-U.S. Business Council (BUSBC) e a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (AmCham Brazil) publicaram um relatório em dezembro de 2016 para dar suporte ao lançamento das negociações bilaterais que contemple um acordo comercial abrangente entre as duas nações. Após a posse de Bolsonaro, este relatório foi atualizado com base em consultas com todos os setores econômicos do Brasil e dos Estados Unidos. Dentro deste espectro, esta iniciativa propõe o lançamento de negociações exploratórias com objetivo de assinar um acordo comercial entre os dois países e o estabelecimento de iniciativas bilaterais que levem a negociações comerciais amplas a serem  implantadas em curto espaço de tempo.

O relatório está dividido em cinco capítulos. No primeiro, são apresentados o relacionamento entre os dois países, as relações econômicas bilaterais, as recentes iniciativas bilaterais, os instrumentos bilaterais e as barreiras existentes. No Capítulo 2 é demonstrado o impacto previsto em consequência de um acordo comercial, enquanto no Capítulo 3 está um roadmap para o fortalecimento desta parceria econômica, com recomendações sobre temas abordados durante as negociações. No Capítulo 4, as partes sugerem iniciativas importantes a ser tomadas para adoção das relações econômicas rapidamente e, por fim, no Capítulo 5 o relatório conclui com o pedido de os dois governos iniciar as negociações exploratórias em direção a um acordo comercial.

Capítulo 1: Relacionamento comercial e investimentos entre Brasil e EUA

Em termos atuais, a balança comercial de bens e serviços entre EUA e Brasil atingiu $100 bilhões em 2017, com vantagem para os americanos que exportaram $63.7 bilhões e importaram $36.7 bilhões e obtiveram um superávit de $27 bilhões. O Brasil foi o 12º parceiro comercial de produtos dos EUA com o total de $66.7 bilhões em 2017, sendo que os EUA exportaram $37.2 bilhões e importaram $29.5 bilhões do Brasil. No setor de serviços, a balança é ainda mais desproporcional, com EUA exportando o total de $33.6 bilhões e importando $7.2 bilhões do Brasil.

As exportações de bens e serviços para o Brasil geraram cerca de 308 mil empregos nos EUA, ao mesmo tempo que os EUA também tem sido um mercado relevante para os produtos manufaturados brasileiros. No que tange aos investimentos, está havendo uma tendência positiva, pois em 2017 investimentos americanos diretos no Brasil (basicamente ações de empresas) atingiram $68.3 bilhões, enquanto os investimentos diretos de brasileiros nos EUA chegaram a $42.8 bilhões no mesmo ano.

Durante os anos de 2017 e 2018 diversas iniciativas bilaterais foram adotadas com objetivo de fortalecer a parceria entre as duas nações. As mais significativas foram assinatura de um memorando para formalizar o compromisso de cooperação conjunta sobre boas práticas regulatórias; acordo de troca de informação para a Defesa; emissão de acordo de cooperação especial entre Brasil e EUA; renovação de acordo de processo por infringir patentes; aprovação do acordo de Seguro Social eliminando contribuições dobradas em impostos previdenciários, e acordo de céus abertos entre os dois países.

A fim de fortalecer essa parceria, estudo propõe o engajamento em diálogos e instrumentos bilaterais que possam avançar a pauta em relação ao comércio, investimentos e agenda política ainda em 2019. Dentre estes instrumentos, merece ênfase a Comissão Brasil-EUA sobre relações econômicas e comerciais sob o Acordo de Cooperação no Comércio e Economia (ATEC), constituído em 2011 para explorar uma cooperação mais efetiva sobre uma variedade de temas como investimentos, direitos de propriedade intelectual e inovação, comércio entre fronteiras em serviços e incentivos para pequenas empresas.

Ainda nessa linha, destaque para o Diálogo Comercial Brasil-EUA, estabelecido em 2006, cujo objetivo é o incremento de relações bilaterais entre os dois governos com foco na facilitação do comércio e nas práticas regulatórias; Diálogo da Indústria de Defesa (DID), assinado em 2016, para aumentar os instrumentos de defesa e capacitar ainda mais os segmentos de defesa de ambos países; Diálogo de Energia Estratégica (SED), anunciado em março de 2011, cujo principal foco era no segmento de petróleo e gás; Diálogo de Tecnologia de Informação e Comunicação (ICT), com ênfase em preservar os benefícios de uma internet segura, aberta e interoperável, e o Memorando de Cooperação de Desenvolvimento de Infraestrutura, estabelecido em março de 2016, que prevê investimentos direcionados na melhoria das infraestruturas que necessitam de reparos.

Um item espinhoso, assim como os demais, destacado pelo estudo da CNI, é a remoção de barreiras que dificultam o fluxo de comércio entre os dois países. Ambos possuem uma lista de proteções e cotas que deveriam ser retiradas ou atenuadas com o objetivo de facilitar o comércio bilateral e os investimentos.

Capítulo 2: O impacto estimado do acordo comercial entre Brasil e EUA

Am-Cham Brazil e Brazil-U.S. Business Council encomendaram dois estudos independentes para avaliar o impacto do acordo nas indústrias brasileiras e americanas, respectivamente.

O estudo da Am-Cham Brazil foi encomendado para o Centro de Comércio Global e Estudos de Investimentos da Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo esta análise, que considerou um hipotético acordo entre Brasil e EUA com redução de 40% de barreiras não tarifárias sobre manufatura, agricultura e setores de serviço, juntamente com a eliminação total de tarifas, a projeção é de crescimento de 1.29% do PIB brasileiro em 2030, com crescimento exponencial de 6.46% no total de importações e 6.94% no total de exportações para os EUA.

O BUSBC contratou Trade Partnership Worldwide, LLC (TPW) para avaliar o impacto econômico de um acordo de comércio bilateral sobre a indústria americana. O estudo considerou a hipótese deste acordo estar completamente implantado em 2030, eliminando-se as tarifas americanas e brasileiras e cortando 50% das barreiras não tarifárias no comércio de bens e serviços entre as duas nações. Os resultados são positivos para os EUA, com crescimento de 0.11% do PIB, assim como significativo aumento nas exportações (78%) e importações (21.15%).  Ambos estudos demonstram que um acordo bilateral geraria ganhos para os dois países.

Para finalizar, o estudo de 2018 feito pela CNI, sobre a realização de um acordo de livre comércio com os EUA,  demonstra que a assinatura do referido acordo, resultaria no  aumento das exportações brasileiras em pelo menos 134 grupos de produtos em setores como alimentos, químicos, automobilístico, maquinários, têxteis e roupas, madeira, couro e sapatos.

Capítulo 3: O caminho das pedras para um acordo comercial

Com base nos estudos, fica claro que a parceria é benéfica para ambos, portanto, devem ser envidados todos os esforços  ainda neste ano de 2019 para o início dos trabalhos.

O escopo das negociações exige também uma ação política, com engajamento dos Congressos do Brasil e dos Estados Unidos, bem como consultas do Brasil aos seus parceiros do Cone Sul. Evidentemente, os setores privados devem participar fortemente destas negociações, e o instrumento sugerido na área de livre comércio deve ser consenso entre os negociadores e representantes empresariais dos países envolvidos.

As sugestões se concentram em temas importantes do provável acordo comercial, como acesso ao mercado de bens, que prevê eliminação de tarifas dentro de 10 anos, não exclusão de produtos e completa eliminação de cotas, inclusão de amplo espectro de taxas e tipos de tarifas; reconhecimento de padrões comuns, consideração de acordo justo com ganho no acesso aos mercados, e permissão e apoio para comércio bilateral de bens manufaturados.

Faz-se necessário, ainda, o estabelecimento de regras de origem com procedimentos e certificados válidos para os países. O acordo de facilitação de comércio e administração aduaneira devem  ser incentivados, seguindo-se como parâmetros acordos internacionais determinados na Organização Mundial de Comércio (OMC), assim como programas já assinados que visam evitar contrabandos, falsificações e evasões fiscais.

Os estudos salientam ser preciso adotar práticas regulatórias saudáveis para destravar a burocracia. Aliás, o Ministério da Economia divulgou em abril de 2019 uma série de medidas para diminuir as exigências e permitir às empresas brasileiras mais rapidez no preenchimento de informações. Devem ainda ser adotadas as harmonizações de medidas sanitárias e fitossanitárias, tema importantíssimo,  além das reduções e/ou eliminações das barreiras técnicas para o comércio.

No pacote de recomendações, o estudo aborda também as questões relativas aos subsídios, às práticas comerciais injustas; comércio de serviços (criando procedimentos para qualificação, padrões técnicos e exigências de licenciamento); investimentos – com proteção para investimentos nos dois países e eliminação de tetos para capital estrangeiro e outras barreiras financeiras; propriedade intelectual; licitações governamentais; ambientes pró-negócios; facilitação no trânsito de cidadãos dos dois países; participação de empresas estatais em licitações; adoção de medidas anticorrupção, mecanismo de resolução de litígios; agricultura, com adoção do Comitê Consultivo de Agricultura (CCA) Brasil-EUA como fórum para resolver as disputas comerciais, e comércio digital, privacidade e proteção de dados.

Capítulo 4: Iniciativas para adoção de relações econômicas entre Brasil-EUA

As propostas para iniciativas bilaterais e multilaterais de curto prazo devem incluir  o acordo de facilitação de comércio. Sobre esse tema, a sugestão é que os países implantem os compromissos sublinhados no Acordo de Facilitação de Comércio da OMC, além de aprovação pelo Congresso Brasileiro da Convenção de Kyoto. Sobre a taxação, retomada de negociações do Tratado Bilateral de Impostos (BTT) para eliminar a dupla taxação de renda e redução e/ou eliminação sobre royalties, serviços, juros e dividendos.

Em relação às barreiras não tarifárias, devem ser seguidas as premissas adotadas no Diálogo Comercial Brasil-EUA. No item de movimento de pessoas, o estudo apoia a participação do Brasil no programa Global Entry a fim de agilizar as viagens de negócios, permitindo ao viajantes brasileiros ser pré-aprovados para serem liberados ao entrar em território americano. No que se refere à propriedade intelectual, o Congresso Brasileiro deve aprovar o acesso do país ao Madrid System para registro internacional de marcas. Os regimes e acordos de Defesa são imprescindíveis para tornar o Brasil um “país qualificado” nos EUA,  agilizar a conclusão do Acordo de Salvaguarda de Tecnologia Brasil-EUA. Por fim, no item Telecomunicações, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos EUA e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) devem seguir as diretrizes contidas na Comissão Interamericana de Telecomunicações (Citel) para fornecer reconhecimento mútuo de conformidade.

Capítulo 5: Recomendações

Estados Unidos e Brasil sempre tiveram relacionamento econômico frutífero, mas as iniciativas de cooperação se aprofundaram em 2015, com progresso em várias áreas. Entretanto, os dois países ainda mantêm uma série de barreiras que prejudicam o comércio e os investimentos nos dois países.

Diante desse cenário, CNI, Câmara e AmCham estabeleceram um roadmap para expandir os fluxos de comércio e investimentos com foco em duas iniciativas importantes: lançamento de negociações exploratórias direcionadas na assinatura de acordo comercial entre EUA e Brasil, e um conjunto de iniciativas bilaterais que podem  ser tomadas  em paralelo com amplas negociações comerciais e implantação em curto espaço de tempo. As negociações devem ser abrangentes e focadas em  um acordo ambicioso e balanceado que pode ser concluído o mais rápido possível.

As partes solicitam que parlamentares nos Congressos dos dois países estejam engajados no processo e audiências sejam organizadas a fim de monitorar a implantação do roadmap.

Embora o acordo comercial deva ser abrangente e profundo em seu escopo e suas disciplinas, há alguns obstáculos relevantes para o desenvolvimento das relações econômicas que podem ser superados através de acordos de negociação específicos, separados do acordo maior.

Os setores privados também devem estar engajados desde o início das conversações bilaterais, em todas essas áreas de cooperação, fornecendo contribuições relevantes e soluções robustas para adoção de parceria melhorada que gerem crescimento econômico, criação de empregos e competitividade global para as duas nações.