*Por Josefina Guedes

Diante dos novos paradigmas do comércio internacional, o Governo Trump, está iniciando alguns ajustes nos acordos já existentes com seus parceiros comerciais.

O primeiro deles está sendo o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA). No dia 27 de agosto, Estados Unidos e México acordaram alguns termos modificativos.

Embora o Canadá também faça parte do NAFTA, o governo norte-americano decidiu negociar bilateralmente com cada país, tendo em vista as peculiaridades que cada mercado demanda. Diante disso, México foi o primeiro e o Canadá ficará para uma segunda etapa.

É interessante saber que o México é o segundo principal parceiro dos EUA, representando 13% das importações e 16% das exportações totais dos EUA. Já pelo lado do México, os EUA têm maior representatividade, ou seja, 46 % das importações mexicanas e 80% das suas exportações.

Como diretrizes para o novo acordo, o USTR (Representante de Comércio dos EUA), publicou três fact sheets, além de um comunicado do Presidente Donald Trump.

O objetivo principal desses ajustes é, principalmente, cumprir a agenda de campanha, ou seja, o fortalecimento das indústrias manufatureiras e da agricultura norte-americanas e a modernização do NAFTA, com a inclusão de novos temas, que estão norteando os acordos comerciais do século 21.

Como as tarifas aduaneiras já estão completamente ajustadas, e tendo em vista que sua desgravação hoje não representa mais o objeto principal de qualquer acordo mais avançado, passaram para o centro dessas negociações: as Regras de Origem, o Código de Licença de Importação e Exportação, e a definição regras que impeçam a criação/manutenção de regime para proibir importação de bens usados e remanufaturados. Estes últimos são de grande interesse norte-americano, pois os EUA são os maiores exportadores de produtos remanufaturados do mundo.

Dentro dessas discussões, chama atenção a questão do novo patamar de conteúdo regional para automóveis, com 75% de conteúdo regional, bem elevado, mas fácil de entender as razões da exigência.

A indústria automotiva norte-americana possui uma cadeia produtiva gigantesca, desde a fabricação de chapas até eletrônicos e têxteis, além de empregar muita mão-de-obra direta e indireta.

Outro ponto inovador do acordo é a determinação de um teto mínimo do salário do trabalhador, de US$ 16 por hora, para os empregados que trabalharem dentro dos 40% a 45% do conteúdo regional dos veículos. Tal proposta tenta eliminar a concorrência desleal de fabricantes de carros, em relação a baixos salários, prática comum, principalmente, dos países asiáticos, que utilizam mão-de-obra no valor de US$ 20 por mês de salários.

Com relação ao tema de Licenças de Importação e de Exportação, o objetivo é definir alguns procedimentos, para propiciar maior transparência e segurança jurídica para as empresas. Esse assunto é tão importante, que está incluído no recente Acordo de Facilitação de Comércio da Organização Mundial do Comércio e os EUA estão aplicando os princípios deste Acordo, já ratificado por vários países-membros da OMC.

A questão do tratamento de Bens Remanufaturados e Bens Usados é assunto muito importante para os norte-amercianos. Proibir e criar restrições às importações a bens usados e/ou remanufaturados (como fazem muitos países) envolve bilhões de dólares para as indústrias norte-americanas.

Esse tema é muito sensível para o Brasil, quando comparado aos demais, visto que na condição de país em desenvolvimento, a permissão indiscriminada de tais importações diminui o interesse de investimentos em pesquisas tecnológicas, além de implantação de novas fábricas. Nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), paralisadas em 2004, esse era um tema central para os norte-americanos, mas considerado muito sensível para o Brasil, que proíbe importação de material usado, porém, permite importação de máquinas remanufaturadas, sob determinadas condições de uso e de garantia.

Não menos importantes, os temas como proibição de taxas de consularização ou encargos e taxas similares; incluir shipping containers no sistema de admissão temporária faz parte de uma simplificação de todo o processo comercial.

Em relação aos Têxteis, a determinação de limitar regras que permitam o uso de insumos fora do NAFTA, no comércio de têxteis e vestuário, significa fortalecer e incentivar as indústrias têxteis dos membros do NAFTA, ou seja fomentar o comércio, a economia dos países membros desses acordos regionais, e não os de fora.

Quanto ao tema Convergência Regulatória Setorial – TICs (Tecnologia de Infomração e Comunicação), farmacêuticos, equipamentos médicos, cosméticos e substâncias químicas -, é saudável para o comércio, pois gera segurança jurídica e transparência no processo. Também integram os princípios do Acordo de Facilitação de Comércio da OMC. O governo brasileiro, inclusive, vem realizando consultas sobre esse tema em Washington DC para alguns setores da economia, no âmbito dos entendimentos MDIC-DOC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior-Department of Commerce) .

Na Agricultura, tema muito delicado na OMC e em diversos acordos regionais, nesse ajuste com o México podem ser destacados os seguintes pontos:

– Tarifa zero para bens agrícolas;

– Padronização de precedentes para biotecnologia em genes e cooperação técnica;

-Redução de subsídios à exportação: excelente iniciativa visto que está alinhado com as negociações da Rodada Doha da OMC;

– Determinação de regras sanitárias e fitossanitárias baseadas em princípios científicos e no princípio da precaução: tema delicado que merece estudo aprofundado, para não ser utilizado como uma barreira injustificada ao comércio;

– Proteção à propriedade de fórmulas de alimentos usando mesma regra para bens domésticos e importados: tema delicado que merece maior aprofundamento.

Além destes, novos temas foram objeto desse novo acordo com o México, os quais estão sendo incluídos em acordos comerciais de última geração pelo mundo, quais sejam:

– Propriedade Intelectual: tema muito relevante para combater a pirataria, e roubos de segredos comerciais; tratamento nacional em direitos autorais; extensão para 75 anos os direitos autorais e 10 anos de proteção de dados para remédios biológicos, sendo que chama atenção para o aumento da lista de produtos que poderão ser elegíveis para essa proteção.

– Comércio digital, proibir tarifas de importação ou quaisquer medidas que possam ser consideradas discriminatórias contra produtos digitais; não proibir assinatura e autenticações eletrônicas; e proteger ao consumidor no comércio de plataformas digitais.

Em relação às importações/exportações simplificadas, o valor foi aumentado de US$ 50 para US$ 100, como medida de apoio para micro, pequenas e médias empresas, sem pagamentos de impostos.

Para os Serviços Financeiros, tratamento nacional para os dois lados. Proibir restrições quantitativas e aumentar a transparência regulatória doméstica ao setor visam fomentar o incremento dos serviços financeiros dos dois países.

Meio ambiente, também teve um capítulo importante, como a proibição de subsídios à pesca, a proteção das espécies marinhas, o aumento da eficácia das inspeções alfandegárias contendo flora e fauna selvagens nas zonas primárias, a melhoria da qualidade do ar e evitar e reduzir o lixo marinho, entre outras.

Quanto a possíveis impactos negativos para o Brasil em relação ao aprofundamento desse acordo, observamos, a princípio, repercussões nas exportações de produtos do agronegócio, devido ao compromisso do Governo Trump de comprar o máximo de produtos agrícolas do México.

No mais, só o tempo irá demonstrar os efeitos práticos desses ajustes realizados entre EUA e México. Principalmente no futuro  aprofundamento do acordo comercial entre Brasil e México, que hoje conta com um número bem reduzido de produtos, para um potencial muito maior entre os dois países.

Josefina Guedes é Diretora da Guedes, Bernardo, Imamura Consultoria Internacional; Diretora da Associação de Comércio Exterior do Brasil- AEB; Membro do Conselho de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro- Firjan; Membro da Coalizão Empresarial Brasileira – CEB