*Por Juliana de Moraes e Mirella Freitas do www.sincodiv.org.br

Filha de matemático e cientista social, Paula Limena é uma mistura. Profissional da área de Maketing, é também um pouco cientista, um pouco psicanalista, e se dedica a entender o ser humano e suas motivações para o consumo.

Autora dos livros The Millennial Mind (Xlibris / Amazon/barnesandnoble.com) e Below The Surface (Xlibris / Amazon/barnesandnoble.com), ambos lançados nos Estados Unidos, essa paulistana, aos poucos, vem conquistando seu espaço no mercado norte-americano.

Recentemente, fisgou nada menos do que a Amazon e está implementando um projeto para melhor compreensão dos consumidores da categoria de Life Science (Ciência da Vida, na tradução literal). É só o começo de um novo ciclo para ela.

Depois de passar por Du Pont, Iguatemi (Shopping Centers), Harper’s Bazaar, ver um de seus projetos de trabalho estampado no New York Times e conduzir outros como empreendedora, por meio da Consultoria Imageneer, junto a grandes marcas atuantes no Brasil, tais como TomTom, Whirlpool, Land Rover, Spyker (Caltabiano) e BMJ (British Medical Journal), a profissional com formação multidisciplinar e binacional, entre Brasil e Estados Unidos, radicou-se nos EUA.

Nessa trajetória, que inclui as formações em transformou-se em uma estudiosa dos Millennials, traçando o mapa do que motiva e desmotiva as novas gerações em suas tomadas de decisão. Além disso, Paula contextualiza todo esse trabalho ao mundo globalizado, ambiente que trouxe novo sentido à existência, modificando de forma irreversível nossa compreensão sobre o espaço e o tempo.

Na entrevista, a seguir, ela fala sobre tudo isso… e um pouco mais. Boa leitura!

Sincodiv.org.br: Pode começar falando um pouco sobre o projeto que emplacou junto à Amazon? 

Paula Limena: Foi um projeto encomendado por um cliente (Lonza), que almejava um novo modelo de negócio junto ao maior player de varejo para testar sua capacidade de go-to-market e inovação. Por ser um projeto da área de Life Sciences, não posso detalhar, por acordo de confidencialidade.

O importante para a minha carreira é que, ao apresentarmos o projeto completo e a minha metodologia proprietária de descoberta de arquétipos de categorias/marcas, a equipe da Amazon aprovou imediatamente a proposta e seguimos para o próximo passo (implementação).

Profissionalmente, para mim, foi um marco, no momento em que percebi que a empresa de varejo, dona das maiores e mais parrudas ferramentas de BI (Inteligência para Negócios, na sigla em inglês) do mundo, se encantou com meu mapa BTS (Below The Surface, que infere aquilo que está abaixo do que podemos ver do iceberg, como metáfora – Abaixo da Superfície, na tradução literal do inglês) para justamente, construir novas hipóteses de go-to-market e brand strategy – acesso ao mercado e estratégia de marca, respectivamente.

Resumidamente, poderia falar um pouco sobre o mapa BTS e no que ele é inovador?

O Below The Surface mostra como analisamos e criamos possibilidade de predição sobre algo que não conhecemos (inovação), ou como reinventamos as categorias de produto e indústrias para os Millennials. Explico os princípios básicos da metodologia e apresento o mapa para chegarmos nas informações que possibilitam essa análise.

O que mudou de forma significativa no comportamento das pessoas pós-globalização, pós-internet?

Tudo!

Quando se mexe na percepção de tempo/espaço das pessoas e dos grupos, as suas perspectivas de reação, inovação e informação mudam. Assim, para se dar exemplos concretos, consumidores querem respostas para suas dúvidas em tempo real. Sendo assim, as lojas não são mais o passatempo da “informação e da descoberta”.

O conceito de “luxo” fica mais etéreo, porque o conceito de “exclusividade” de informação – design, status, ou qualquer coisa assim também não são mais aplicáveis em tempos de informação massiva…

Existe uma questão importante no consumo pós-globalização que é: por que razão devo comprar tal coisa? Tal marca? Por quê esta marca me toca? O que busco ao consumir tal marca? Qual o papel que tal marca exerce sobre mim? Em termos de serviços: quais são os pontos de atrito (contato) entre mim e tal categoria? Ela é necessária ou desejável? Poderia resolver tudo isso com menos energia e mais prazer?

Essas são questões que devem ser respondidas pelas empresas, visando atender à expectativa de clientes cada vez mais ansiosos, impacientes e indiferentes para uma série de relações às quais antes atribuíamos valor.

Em seus livros, você pontua que as expectativas das pessoas, hoje, vão além do poder financeiro. O que ganhou em espaço? E por quê?

O tempo ganhou espaço e muito valor para as pessoas. Isso porque os jovens são ambiciosos, mas desejam olhar para o presente, mais do que para o futuro.

As novas gerações são mais hedonistas, no sentido da experiência, que passou a ser levada extremamente a sério – o que também deve ser levado bem a sério pelas empresas em suas tomadas de decisões.

"Millennials já nasceram com o chip NANO – nanosegundo, nanoprocessamento, nanocápsulas", diz Paula Limena

“Millennials já nasceram com o chip NANO – nanosegundo, nanoprocessamento, nanocápsulas”, diz Paula Limena

A perspectiva de diferentes gerações foi alterada por essa mudança de expectativas das pessoas, em especial das novas gerações?  

Sim, sem dúvidas. Millennials já nasceram com o chip NANO – nanosegundo, nanoprocessamento, nanocápsulas. Eles querem reduzir o consumo, o lixo, o tempo gasto para processos e aumentar o “quantum” de prazer em todas as situações.

Basicamente, o Millennial não quer ser o escravo do trabalho e medir suas conquistas apenas materiais, como a Geração X sempre foi determinada pelos Baby Boomers, que assim estipularam as métricas de sucesso do mundo ocidental, de forma geral.

Do lado de quem vende, como devem ser encaradas essas mudanças?

Em primeiro lugar, deve-se questionar: meu produto é necessário? Sim? Não? É desejável? Então, começarmos a analisar a percepção do consumidor em relação à categoria.

Essa contextualização deve estar no ponto central que é: em que sentido essa categoria de produtos toca o cérebro reptiliano, o mais primitivo, dessa cultura? Por exemplo: carros. Os carros podem ser percebidos como utilitários, como armas, como símbolo de status, como abrigo.

Em culturas diferentes, essa categoria vai trazer à tona sentimentos diversos. Então, o que mapeamos:

qual é o símbolo/arquétipo preponderante,

como ela é percebida pelos 5 sentidos,

como ela é verbalizada, traduzida pela linguagem (aqui entram em questão também os pronomes de tratamento),

qual a tensão?

qual o código cultural de entendimento dessa categoria?

Quais ações devem ser tomadas para as empresas se adequarem ao novo modelo de consumo que se desenha?

O Dr. Gilbert Clotaire Rapaille – consultor de Marketing de origem francesa, autor de mais de uma dezena de livros sobre Psicologia, Marketing, Sociologia e Antropologia Cultural – é meu mentor e inspiração para a criação do meu método, já que ele tem seu próprio com uma abordagem bastante similar.

Ele já analisou o código cultural de carros e transcreveu possibilidades para as marcas Jeep, Rolls Royce, criou o modelo PT Cruiser, dentre outros projetos. Todos com retorno financeiro garantido por anos a fio (e falo que os projetos dele eram/são bem mais caros do que os meus!).

O segredo é a análise que fazemos, comparando a estrutura das respostas dos consumidores e descobrindo como elas se conectam para criarmos o arquétipo ideal.

Imagine que você tenha um medo: uma sociedade preocupada com a segurança de vulneráveis (crianças e idosos). Portanto, você tem: uma criança e uma vovozinha. Para contar essa história de forma sedutora, você precisa do quê? Uma metáfora para o medo. Pronto.

Então, exemplificando: o lobo. O que o lobo pode fazer? Engolir a vovó e a criança. Mas, de uma forma direta? Não, tem que ter um enredo que aumente o medo do poder de sedução desse lobo, porque, se ele for assustador, ninguém vai chegar perto mesmo.

Daí para a frente, a capinha vermelha é acessória. Mas, o código cultural “Chapeuzinho Vermelho” tornou-se uma parábola contada e recontada através das gerações. Assim como a lenda urbana da noiva do banheiro.

Na metodologia BTS, o código vem acompanhado de uma história para que seja suficientemente sedutor.  A ideia é que essa parábola seja construída com relevância para determinada cultura em questão e possa sobreviver o máximo possível, até que essa categoria associada a esse medo perca sentido.

Há diferença entre “ouvir e escutar”. Em que medida profissionais da área do varejo com foco em serviços devem “ouvir” de forma a compreenderem as intenções de potencias clientes?

Há diferença entre ouvir e escutar. São formas distintas de você receber a comunicação vinda do cliente. Os profissionais do varejo precisam entender a primeira interação de seus clientes, tentando separar aquilo que eles indicam temer, o que lhes causa medo – é esse o ponto.

Por exemplo: quero comprar um carro. Há algo para se escutar aí? Não. Há de se ouvir. Quero comprar um carro porque bati o meu. Nossa, muito para escutar aí, compreende!?

Eu, como cliente, por exemplo, tenho um medo: bater novamente, morrer. Por conta disso, antes eu tinha uma marca de veículos e quero, agora, outra para quebrar o ciclo de má sorte… Enfim, são muitas questões que interferem na minha decisão.

Para concluir, a que segmento como o de veículos e serviços relacionados deve estar atento?

Em primeiro lugar: sua cadeia de valor mudou. Foi totalmente impactada pela internet e a globalização. Só isso já merece uma grande atenção. Sua equipe de vendas tornou-se desnecessária, do ponto de vista antigo de vendas (informar, persuadir, etc).

Ela, hoje, precisa seduzir o cliente com uma ideia de concierge, que vai da conveniência ao mimo. O status hoje está muito mais nos atributos intangíveis de serviço, do que nos tangíveis dos carros como são.

Veja, atualmente, todos os carros têm design, direção hidráulica, vidros elétricos, dispositivos de segurança e tantas outras coisas que jamais tivemos no passado, que eram os diferenciais comunicáveis para o mercado. E o que acontece com nossos jovens? Eles não almejam mais um carro, desejo tradicional dos 18 anos.

A categoria está se tornando invisível para eles, ante outras experiências – e expectativas. Seria interessante “remapear” essa categoria nesse momento porque muitas descobertas serão feitas em relação a como ressignificá-la para as novas gerações, entendendo, exatamente, onde focar seus investimentos, onde reduzir custo processual, onde proporcionar novas experiências e quais são elas.

Por experiência, posso dizer que sem esse processo os donos de concessionárias vão continuar trabalhando com tentativa e erro, e isso pode custar muito mais caro. Complementarmente, diria também que criar espaços para inovação no negócio, a fundo perdido mesmo, é bem relevante. Não se deve esperar sucesso, mas aprendizado desse investimento. Até porque uma experiência que dá errado pode trazer indicadores importantes a respeito da operação e do público alvo do negócio.

*Juliana de Moraes e Mirella Freitas fizeram esta entrevista para o portal www.sincodiv.org.br do Sincodiv – Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Estado de São Paulo – que gentilmente nos autorizou a reproduzir este material no website da BizBrazil Magazine.  Produção e edição: Moraes Mahlmeister Comunicação